Redação Síntese Criminal

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O não oferecimento do acordo de não persecução sem fundamentação constitui nulidade absoluta, decide Sexta Turma do STJ

Em habeas corpus, a 6ª Turma anulou um processo desde o momento em que os requisitos para o oferecimento do acordo de não persecução penal restaram configurados
Crédito: Lucas Pricken/STJ.

Por constituir um poder-dever do Parquet, o não oferecimento tempestivo do ANPP desacompanhado de motivação idônea constitui nulidade absoluta. Com essa tese, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu um habeas corpus para anular um processo desde o momento em que configurados os pressupostos objetivos para a propositura do acordo pelo Ministério Público.

Contextualização

O caso chegou ao STJ após o Ministério Público ignorar a existência de requisitos para o oferecimento do acordo de não persecução penal e denunciar o paciente pelo crime previsto no artigo 337-E do Código Penal. Na oportunidade, o órgão ministerial não fundamentou as razões pelas quais não propôs o acordo.

Após a apresentação da resposta à acusação, momento em que a defesa suscitou a nulidade do recebimento da exordial acusatória, o Ministério Público justificou a recusa no oferecimento do acordo em razão da inexistência de confissão por parte do – até aquele momento – investigado. O denunciado, então, esclareceu que apenas cumpriria o requisito após ter ciência e concordar com os termos do acordo. O órgão ministerial concordou e instaurou o procedimento.

A defesa, então, discordou dos termos e interpôs o recurso ao órgão superior do Ministério Público. O órgão não acolheu o pedido revisional, o que motivou a impetração de habeas corpus no tribunal estadual.

O momento de oferecimento do ANPP teria sido determinante no caso, na visão da defesa, tendo em vista que o recebimento da denúncia ocorreu 35 dias antes do escoamento do prazo prescricional pela pena em abstrato.

A decisão do STJ

Inicialmente, a ministra Laurita Vaz, relatora da matéria, votou pela denegação da ordem. O ministro Sebastião Reis Jr., em voto-vista, abriu a divergência.

Veja o que decidiu o ministro no voto:

O precedente da Sexta Turma no sentido de que a ausência de confissão no inquérito não inviabiliza a proposição do ANPP

“Aqui, na Sexta Turma desta Corte, no precedente citado pelo agravante, houve o reconhecimento de que o fato de o investigado não confessar a prática ilícita no inquérito policial não inviabiliza, de plano, o acordo de não persecução penal, como também já havia enunciado a I Jornada de Direito Penal e Processo Penal do CJF/STJ (A inexistência de confissão do investigado antes da formação da opinio delicti do Ministério Público não pode ser interpretada como desinteresse em entabular eventual acordo de não persecução penal).

Ali, no julgamento do HC n. 657.165/RJ (DJe 18/8/2022), acompanhamos o entendimento do Ministro Rogerio Schietti Cruz no sentido de existência de ilegalidade na falta de remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público estadual ante a falta de tentativa de celebração do ANPP.

Dessa forma, este Colegiado – a fim de não obstar que essa confissão viesse a ser feita, implementando-se, assim, o requisito para o acordo – concedeu a ordem para anular a decisão que recusou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça – bem como todos os atos processuais a ela posteriores – e determinar que os autos fossem remetidos à instância revisora do Ministério Público, nos termos do art. 28-A, § 14, do Código de Processo Penal, e o processo ficasse suspenso até a apreciação da matéria pela referida instituição.

Em que pese naquela oportunidade ter se levado em consideração também que o réu estava desacompanhado de defesa técnica e que ficou em silêncio ao ser interrogado perante a autoridade policial, também, a meu ver, firmou-se o entendimento de que era descabida a exigência da confissão ainda quando do inquérito (item 5 da ementa).

O caso concreto

“Não há dúvida de que o acusado não confessou os fatos quando do inquérito e não há dúvida de que estava devidamente assistido por defesa técnica qualificada. Mesmo diante desse contexto, deveria o Ministério Público ter oportunizado o ANPP antes do oferecimento da denúncia, tanto que o fez após o oferecimento da denúncia, mesmo ainda sem a confissão.

Observa-se que não há nos autos nenhuma notícia de que o contexto fático existente antes do oferecimento da denúncia tenha se alterado a ponto de terem surgido condições para o ANPP só após esse momento.

Pelo contrário. A não apresentação de uma proposta de ANPP só veio a ser justificada após provocação da defesa – ausência de confissão; e ainda que não tenha ocorrido a confissão (a defesa foi intimada para se manifestar se teria interesse em confessar, fl. 494, o que não o fez, condicionando a confissão à formalização do ANPP e para fins exclusivos desse acordo, o mesmo, já com denúncia recebida, veio a ser apresentado.

A existência de condições efetivas para o oferecimento do acordo

“Destaca-se, portanto, que todas as condições objetivas, salvo a confissão, exigidas para a propositura do ANPP, estavam presentes; que o Ministério Público local reconheceu que o ANPP não foi apresentado no momento oportuno em razão da ausência da confissão; que a confissão, no inquérito, não é condicionante para o ANPP; e que o acordo veio a ser apresentado, após o recebimento da denúncia, mesmo tendo o réu, por meio de sua defesa, afirmado que só confessaria se e quando formalizado o ANPP.

Assim, presentes as condições para a oferta do ANPP, ele teria que ter sido ofertado antes do oferecimento da denúncia, até porque o Ministério Público reconheceu, quando o ofertou tardiamente, que, se aceita a proposta, deixaria de denunciar o acusado.

Ora, silente o Ministério Público antes do oferecimento da denúncia quanto às razões pelas quais não ofertou o ANPP e tendo ele reconhecido, ao longo do feito, que o acordo poderia ter sido oferecido naquele momento, apesar de ausente a confissão, há, como reconhecida, inclusive no voto vencido na origem, uma nulidade que prejudica todo o processo a partir daquele momento.

O fato de o acordo tardiamente oferecido não ter chegado a bom termo não supera a nulidade acima apontada, até porque não há como se dizer se, naquele momento, o acordo poderia ter outros termos ou mesmo se o réu poderia ter eventualmente aceito a proposta ofertada naquele momento.

Presentes os requisitos para a propositura do ANPP, bem como ausentes as razões pelas quais essa não ocorreu, a denúncia não poderia ter sido ofertada e muito menos recebida.

O prejuízo evidente do réu

“(…) Aqui também é evidente o prejuízo ao réu, pois, com o recebimento da denúncia, há registro de ação penal em andamento contra ele, ação essa que ainda perdura em razão de as tratativas não terem chegado a um bom termo.

Também houve a interrupção do prazo prescricional, o que não teria ocorrido caso houvesse o oferecimento e celebração do acordo de não persecução penal, o qual apenas suspenderia o prazo prescricional (art. 116, IV, do CP).

Além disso, o início da ação penal, ora questionada, afasta, por exemplo, a possibilidade de que sejam beneficiados pelo art. 89 da Lei n. 9.099/1995 em razão de fatos distintos.

Assim, peço vênia à eminente Relatora e dou provimento ao agravo regimental para conceder a ordem e reconhecer a nulidade do processo a partir do momento em que, presentes as condições objetivas para a apresentação pelo Ministério Público local do ANPP, esse deixou de ser apresentado sem qualquer motivação, nulidade essa que afeta o oferecimento da denúncia e todos os atos posteriores.”

Após o voto vista, a ministra Laurita Vaz reconsiderou os argumentos antes exposados e votou com o ministro Sebastião Reis Jr.

Número: AgRg no HABEAS CORPUS Nº 762.049 – PR.

Clique aqui para acessar o acórdão na íntegra.

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